Curiosidade de bibliotecária leva à invenção do sistema Nonel, usado até hoje

Técnica criada nos anos 60 eliminou riscos de raios e falhas em detonações controladas.

Fernando Golin
Proprietário na PHI Engenharia de Explosivos, parceiro da Pedra Branca

Você sabia que a invenção de um dos sistemas mais seguros e utilizados em detonações modernas começou com um experimento sugerido a uma bibliotecária? Como um tubo de plástico com pó explosivo nas paredes internas poderia substituir sistemas elétricos complexos? E por que a detonação não explode ao longo do tubo, mas chega com precisão ao seu destino? A resposta está na história de P.-A. Persson, físico e engenheiro da Nitro Nobel, e na curiosidade de uma colega de laboratório chamada Monica Petrini — bibliotecária de formação, mas apaixonada pela ciência por trás dos explosivos.

O desafio: criar um sistema de iniciação não-elétrico

Na década de 1960, a indústria de desmonte de rochas enfrentava um desafio: os sistemas de iniciação elétrica eram:

  • Vulneráveis a descargas eletromagnéticas e raios;
  • Difíceis de instalar em ambientes úmidos ou instáveis;
  • Rígidos quanto à sequência e tempo de disparo.

Ulf Langefors, presidente da Nitro Nobel e visionário na área, defendia a criação de um sistema não-elétrico mais seguro e flexível. Ele sonhava com um “fusível explosivo” que:

  • Transportasse a detonação com precisão de tempo;
  • Não acionasse dinamites sensíveis pelo caminho, como o cordel detonante faz;
  • Finalizasse em um detonador pirotécnico com retardo calculado.

Mas como transportar uma detonação dentro de um tubo sem explodir o conteúdo do furo?

O insight técnico: o “efeito canal” e a energia da onda de choque

No laboratório de detônica da Nitro Nobel, Persson estudava o chamado efeito canal: quando uma carga de explosivo (como dinamite) está inserida em um furo de diâmetro maior, a onda de choque do ar pode gerar compressão no explosivo, desensibilizando-o (o chamado dead-pressing). Às vezes, a detonação falhava — mas surpreendentemente, retomava mais adiante. Persson levantou uma hipótese ousada:

“E se essa onda de ar comprimido, ao invés de apagar a explosão, acendesse um explosivo mais sensível depositado nas paredes internas de um tubo?”

O experimento

Persson sugeriu um experimento simples à bibliotecária Monica Petrini, que havia se interessado pelas pesquisas:

  1. Pegue dois tubos finos de baquelite (6 mm de diâmetro);
  2. Em um deles, passe vaselina por dentro e despeje pó de PETN, um explosivo altamente sensível, de modo que parte do pó fique aderida à parede;
  3. Insira um detonador em cada tubo e detone.
Resultado esperado:
Mais destruição no tubo com PETN, mostrando que parte do pó reagiu à onda de choque.
Resultado real:
O tubo com PETN foi completamente destruído — a detonação propagou-se por todo o tubo a partir do revestimento interno com explosivo!

A invenção do sistema Nonel

A partir desse experimento, Persson concluiu que era possível construir um tubo de transmissão de detonação, onde:

  • O explosivo (PETN ou, depois, HMX com alumínio) era depositado na parede interna do tubo durante a extrusão do plástico (Surlyn);
  • A detonação se propagava dentro do tubo, mas não era forte o suficiente para detonar cargas sensíveis ao longo do percurso;
  • A detonação terminava em um detonador pirotécnico com retardo, acionando a carga principal no momento certo.

Esse sistema, nunca patenteado, ficou conhecido como Nonel (Non-Electric), e rapidamente se espalhou pelo mundo como uma revolução em segurança e controle em desmontes.

Por que foi tão revolucionário?

O sistema Nonel:

  • É imune a interferência eletromagnética e raios;
  • Tem precisão de milissegundos, essencial para sequências de detonação complexas;
  • É leve, flexível e fácil de instalar em campo;
  • Reduziu acidentes por falhas de ignição em todo o mundo.

Conclusão

A história de P.-A. Persson mostra que, na ciência e na engenharia, grandes avanços surgem não só da teoria, mas também da observação, da experimentação — e, às vezes, de ideias compartilhadas com pessoas curiosas fora da bolha técnica.
Monica Petrini, a bibliotecária, não apenas contribuiu para um experimento crucial, mas ajudou a pavimentar o caminho para o que se tornaria um dos sistemas de iniciação mais seguros e amplamente utilizados no mundo.